Há uns anos que dedico uma parte da minha arte (medicina veterinária) a ajudar a Sociedade Portuguesa de Vida Selvagem, em Portugal, a recuperar cetáceos arrojados vivos nas costas portuguesas e por isso não me passou indiferente uma notícia brutal no meu país de origem: arrojamento massivo de cetáceos na ilha da Boavista, Cabo Verde, no domingo passado, perecendo 265 (duzentos e sessenta e cinco) animais, apesar das tentativas desesperadas das autoridades marítimas e dos populares. Hoje mais 70 arrojaram e caminham para o mesmo fim. Ao largo da costa, testemunha a bióloga Ivete Delgado, um grupo de cerca de 400 animais em aparente desorientação arrisca-se ao mesmo destino.
Não houve informação de qual seria a espécie envolvida, mas pelo elevado número de animais não há dúvida que se trata de uma espécie com uma estrutura social muito gregária, que para entenderem melhor, com ligações sociais muito intensas como os carneiros num rebanho. Investigando a história recente dos arrojamentos em Cabo Verde, descobrimos que em 2003 mais de cem animais pertencentes à espécie Peponocephala electra (Golfinho de Cabeça de Melão ou Orca Anã) arrojaram na ilha deserta de Santa Luzia e quase todos morreram, e que em 2004 na localidade de Sinagoga em Santo Antão arrojaram alguns animais desta espécie e mais no dia 27 de Outubro de 2005, nove animais da mesma espécie arrojaram na Baía da Murdeira na ilha do Sal onde foram socorridos pelos populares e autoridades marítimas, que nesse caso ainda conseguiram salvar sete animais. Habitando as águas de Cabo Verde esta é a única espécie conhecida que tem uma organização social tão fortemente gregária para se observarem grupos tão numerosos, por isso é muito provável que os arrojamentos ocorridos na ilha da Boavista tenham sido de Golfinhos de Cabeça de Melão.
Os Golfinhos de Cabeça de Melão ou Orca Anã (Peponocephala electra) são geralmente de águas profundas. Alimentam-se de lulas e pequenos peixes, e vivem nas zonas de água quente. Os machos normalmente medem 2,5mt e as fêmeas 2,43mt e o peso máximo observado foi de 275 kg. Ao nascer medem cerca de 1 mt e atingem o tamanho máximo aos 13-14 anos. O tempo de gestação ainda é uma incógnita. São encontrados em grandes grupos, de 100 a 500 indivíduos, sendo que já foi observado um grupo de cerca de 2.000 golfinhos.
Alguns arrojamentos em massa de Golfinhos de Cabeça de Melão têm ocorrido em vários países do mundo banhados por águas tropicais, nomeadamente no Japão e no Brasil e que foram motivo de estudos aturados. Nalguns casos alguns animais estavam altamente parasitados ao nível do ouvido médio e interno por um parasita Nasitrema sp, que teria destruído o 8º nervo cranial, com a consequente perda da habilidade de navegação acústica (sonar) resultando em desorientação e arrojamento. E como são espécies altamente gregárias, se os líderes forem de encontro à praia o resto do grupo vai segui-los, como já tem sido observado nos casos em que o golfinho líder está doente e arroja, arrastando o resto do grupo que se encontra saudável. E as ligações sociais são tão intensas que por vezes todo o esforço para salvar os golfinhos é em vão, como tem acontecido em diversos arrojamentos com as Baleia Piloto (Globicephala sp.) que são de uma espécie também altamente gregária. Outras causas têm sido apontadas nomeadamente a utilização de sonares de baixa frequência pela marinha durante exercícios, havendo uma relação directa entre estes e a ocorrência de arrojamentos em massa como a 4 de Julho na baía de Hanalei no Hawai, onde houve um arrojamento em massa de Golfinho de Cabeça de Melão, tendo os exercícios militares iniciados um dia antes.
Voltemos à Boavista, à Cabo Verde. Na notícia que li diziam que todos os animais já tinham sido enterrados no local. Será que recolheram amostras e sangue para estudo a posteriori? Foram necropsiados alguns animais em busca de lesões? Um dado importante também é saber qual é a percentagem de machos e fêmeas arrojados, porque alguns estudos apontam casos com relação de 2 fêmeas para 1 macho (Perryman et al. 1994). O que se passa nas nossas águas? Haverá alguma actividade marinha desenvolvida naquela zona que as autoridades não tenham conhecimento? Um arrojamento de tão grandes proporções necessita, como é óbvio de uma investigação rigorosa, por todas as razões e mais alguma. Neste momento que estamos à procura de saber o que aconteceu, todas as perguntas deverão ser feitas, senão corremos o risco de nunca encontrar nenhuma resposta. Penso que esta é a altura ideal de reflectirmos sobre os mamíferos marinhos em Cabo Verde, uma reflexão que deveria englobar todos os que quisessem contribuir com o seu quinhão de conhecimento onde hoje as distâncias são anuladas pela tecnologia. É preciso dar mais ênfase ao estudo dos cetáceos em Cabo Verde, uma das grandes riquezas dos mares deste país, porque para conservar é preciso conhecer, não falando das implicações a nível internacional de que tal conhecimento traria. E já agora, porque não criar um grupo multidisciplinar permanente para o estudo dos arrojamentos dos cetáceos em Cabo Verde? E mais longe ainda; um centro de recuperação para animais arrojados e o seu estudo? Labor omnia vincit improbus.
Pelos Animais
Não houve informação de qual seria a espécie envolvida, mas pelo elevado número de animais não há dúvida que se trata de uma espécie com uma estrutura social muito gregária, que para entenderem melhor, com ligações sociais muito intensas como os carneiros num rebanho. Investigando a história recente dos arrojamentos em Cabo Verde, descobrimos que em 2003 mais de cem animais pertencentes à espécie Peponocephala electra (Golfinho de Cabeça de Melão ou Orca Anã) arrojaram na ilha deserta de Santa Luzia e quase todos morreram, e que em 2004 na localidade de Sinagoga em Santo Antão arrojaram alguns animais desta espécie e mais no dia 27 de Outubro de 2005, nove animais da mesma espécie arrojaram na Baía da Murdeira na ilha do Sal onde foram socorridos pelos populares e autoridades marítimas, que nesse caso ainda conseguiram salvar sete animais. Habitando as águas de Cabo Verde esta é a única espécie conhecida que tem uma organização social tão fortemente gregária para se observarem grupos tão numerosos, por isso é muito provável que os arrojamentos ocorridos na ilha da Boavista tenham sido de Golfinhos de Cabeça de Melão.
Os Golfinhos de Cabeça de Melão ou Orca Anã (Peponocephala electra) são geralmente de águas profundas. Alimentam-se de lulas e pequenos peixes, e vivem nas zonas de água quente. Os machos normalmente medem 2,5mt e as fêmeas 2,43mt e o peso máximo observado foi de 275 kg. Ao nascer medem cerca de 1 mt e atingem o tamanho máximo aos 13-14 anos. O tempo de gestação ainda é uma incógnita. São encontrados em grandes grupos, de 100 a 500 indivíduos, sendo que já foi observado um grupo de cerca de 2.000 golfinhos.
Alguns arrojamentos em massa de Golfinhos de Cabeça de Melão têm ocorrido em vários países do mundo banhados por águas tropicais, nomeadamente no Japão e no Brasil e que foram motivo de estudos aturados. Nalguns casos alguns animais estavam altamente parasitados ao nível do ouvido médio e interno por um parasita Nasitrema sp, que teria destruído o 8º nervo cranial, com a consequente perda da habilidade de navegação acústica (sonar) resultando em desorientação e arrojamento. E como são espécies altamente gregárias, se os líderes forem de encontro à praia o resto do grupo vai segui-los, como já tem sido observado nos casos em que o golfinho líder está doente e arroja, arrastando o resto do grupo que se encontra saudável. E as ligações sociais são tão intensas que por vezes todo o esforço para salvar os golfinhos é em vão, como tem acontecido em diversos arrojamentos com as Baleia Piloto (Globicephala sp.) que são de uma espécie também altamente gregária. Outras causas têm sido apontadas nomeadamente a utilização de sonares de baixa frequência pela marinha durante exercícios, havendo uma relação directa entre estes e a ocorrência de arrojamentos em massa como a 4 de Julho na baía de Hanalei no Hawai, onde houve um arrojamento em massa de Golfinho de Cabeça de Melão, tendo os exercícios militares iniciados um dia antes.
Voltemos à Boavista, à Cabo Verde. Na notícia que li diziam que todos os animais já tinham sido enterrados no local. Será que recolheram amostras e sangue para estudo a posteriori? Foram necropsiados alguns animais em busca de lesões? Um dado importante também é saber qual é a percentagem de machos e fêmeas arrojados, porque alguns estudos apontam casos com relação de 2 fêmeas para 1 macho (Perryman et al. 1994). O que se passa nas nossas águas? Haverá alguma actividade marinha desenvolvida naquela zona que as autoridades não tenham conhecimento? Um arrojamento de tão grandes proporções necessita, como é óbvio de uma investigação rigorosa, por todas as razões e mais alguma. Neste momento que estamos à procura de saber o que aconteceu, todas as perguntas deverão ser feitas, senão corremos o risco de nunca encontrar nenhuma resposta. Penso que esta é a altura ideal de reflectirmos sobre os mamíferos marinhos em Cabo Verde, uma reflexão que deveria englobar todos os que quisessem contribuir com o seu quinhão de conhecimento onde hoje as distâncias são anuladas pela tecnologia. É preciso dar mais ênfase ao estudo dos cetáceos em Cabo Verde, uma das grandes riquezas dos mares deste país, porque para conservar é preciso conhecer, não falando das implicações a nível internacional de que tal conhecimento traria. E já agora, porque não criar um grupo multidisciplinar permanente para o estudo dos arrojamentos dos cetáceos em Cabo Verde? E mais longe ainda; um centro de recuperação para animais arrojados e o seu estudo? Labor omnia vincit improbus.
Pelos Animais
1 comentário:
Aparentemente havia um submarino militar na região (v. notícia do IntraDOP) o que, como sabe, faz muito sentido.
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